domingo, 30 de junho de 2024

bomba química ucraniana by fema

   


Minha pele alva sangra e cria formas que não consigo descrever. É um tédio o final de vida, digo, na ponta do meu lápis. Ele penetra minha pele num lugar que eu não queria. Se tivesse como, furaria minha alma. Mas não teria sangue e não teria tapete pra minhas irmãs limparem. Não teria cheiro férrico e não teriam formas indescritíveis. Ele penetra nos ossos do meu anelar, onde antes teria uma promessa igualmente férrica. Hoje é pacto de sangue. Penetra e sai pela culatra. Gemo de dor, mas é o que eu precisava. Dentro do meu céu, da minha garganta, uma bomba química amarela e azul quase ucraniana que eu segurava explode e me traz gosto de infância. Mas o ruim forçado antes se transforma em algo querível, igualmente necessário. Se não fosse criança, seria rei, seria onça, seria pai com filho ou um detentor dos meios de produção. Se não fosse bomba química seria arma branca, seriam palavras. Se não fosse a ponta de um lápis, seria a frontal de um ônibus. Porque escolhi o lápis? Há de se perguntar. E respondo: pela mesma razão que o plástico cabe mais do que o musgo. Pela mesma razão que pagamos pessoas com dinheiro. Refletir nunca foi de meu feitio e pelo amor de deus não faça ser, pois não sou assim! Não quero. Minha mente me leva para parachoques vermelhos e não perfurações e pílulas. Engulo a bomba química ucraniana — ou a explosão dela — e me faço valer de um ou dois segundos. Poderia ter escolhido um método, mas quanto aos dois, me sinto mais seguro. Seguridade com “s” de Sâmela e Samia que limparão o tapete e de saudade, que com certeza terá. O banheiro é ríspido com minha cabeça, que falta se soltar ao desligar de mim mesmo. Gostaria de gemer de dor novamente, mas a bomba ainda está lá. Gostaria de ver se criou galo, mas minha mão fraqueja ao perder tanto sangue quanto perdeu. Preto com vermelho com fios com sangue não é uma mistura que devo me valer de. É um passe de mágica. Mal sinto meus órgãos suplicarem, pois a cabeça, como disse, desligou. Mal sinto a mão fria da culpa, e mal sinto o calor das minhas lágrimas. De uma hora pra outra, estou lá, na sala de cirurgia novamente. É tudo branco e tudo sintético. Sempre alvo e controlado que se iguala a paz. A primeira palavra que ouço é filho, e gritos de alegria, um nasceu, um oi, um bem vindo e outras coisas, mas não sei disso. Me parece estranho ouvir e não saber. Mas acho que nunca realmente ouvi nem soube.


Fernanda Martins, no sarau do dia 28 de junho de 2024.


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