domingo, 30 de junho de 2024

28/06/2024 by dudu

    



Eu sinto saudades de quando chovia e eu me sentia abraçado. Mas agora a chuva só me traz a lembrança e a vontade de sentir o conforto. Eu acordei suando frio, ouvindo o glub-glub do galão. Foi quando abri a janela para ver as ruas enfeitadas da Interessantolândia, enfeitadas de pessoas lendo pretensiosamente nas cadeiras dos cafés. O meu apê era o único da rua, que continha 23 cafeterias todas lotadas. Eu odeio esses pretensiosos e a pretensiosidade. Toda vez que vejo, lembro da árvore que cai na floresta e que, com certeza, não faz som.

Já fazem 3 dias que eu não durmo, ouvindo em loop no smart rádio da minha sala o vídeo "10 horas de glub-glub de galão de água". Foda-se. Desci para pegar um café e um cara chato começou a falar da história da vida dele pra mim. Quando terminei de rir com essas bobagens, ouvi mais umas três conversas fiadas pretensiosas até pegar meu café. Tenho certeza que o barista é um personagem de alguma história que eu escrevi. Mas vocês não vão saber. Eu enfiei nas bolsas dos clientes, escondido, livros de minha autoria. Imaginando que eles fossem ler depois, nas cadeiras dos cafés. Mas depois eu tirei todos, porque isso ia parecer plot de livro para adolescente. E isso nem é um livro. Me escutem, me escutem, isso tudo é real e não é um livro. Um dia eu comi uma formiga viva e não pude contar pra ninguém. Um dia eu vi uma larva no ralo do box. Eu queria encher meu box de água e nadar como se estivesse em uma piscina. Mas eu não sou uma menina de cabelo cacheado. Eu estava voltando pro meu apartamento, tropecei na calçada e morri. Novo movimento literário zero pretensões artísticas. Eu não sei em qual língua vou contar como é olhar pro mar e ver a água em cor de sangue. Eu não posso tirar da minha mente onde eu guardei a chave e como era o gosto do cérebro de burro que eu comi, com as mãos, do chão da cozinha. Daí eu chamei meus amigos druguis e carregamos tijolos sobre nossas cabeças, até o gramado, e construímos um castelo (da alta idade média) bem gromki, parecendo aquela devotchka da cor do moloko, mas é outra história e eu não vou contar. Nosso castelo reinou sobre o gramado, eu fui enterrado debaixo de uma pedra, usando uma coroa de ouro. O sistema de esgoto era jogar as fezes pela janela e foda-se. Tudo isso existe e está conectado. 300 pretensiosos foram enforcados em praça pública. Eu também.


Eduardo Kanichi, no sarau do dia 28 de junho de 2024.


bomba química ucraniana by fema

   


Minha pele alva sangra e cria formas que não consigo descrever. É um tédio o final de vida, digo, na ponta do meu lápis. Ele penetra minha pele num lugar que eu não queria. Se tivesse como, furaria minha alma. Mas não teria sangue e não teria tapete pra minhas irmãs limparem. Não teria cheiro férrico e não teriam formas indescritíveis. Ele penetra nos ossos do meu anelar, onde antes teria uma promessa igualmente férrica. Hoje é pacto de sangue. Penetra e sai pela culatra. Gemo de dor, mas é o que eu precisava. Dentro do meu céu, da minha garganta, uma bomba química amarela e azul quase ucraniana que eu segurava explode e me traz gosto de infância. Mas o ruim forçado antes se transforma em algo querível, igualmente necessário. Se não fosse criança, seria rei, seria onça, seria pai com filho ou um detentor dos meios de produção. Se não fosse bomba química seria arma branca, seriam palavras. Se não fosse a ponta de um lápis, seria a frontal de um ônibus. Porque escolhi o lápis? Há de se perguntar. E respondo: pela mesma razão que o plástico cabe mais do que o musgo. Pela mesma razão que pagamos pessoas com dinheiro. Refletir nunca foi de meu feitio e pelo amor de deus não faça ser, pois não sou assim! Não quero. Minha mente me leva para parachoques vermelhos e não perfurações e pílulas. Engulo a bomba química ucraniana — ou a explosão dela — e me faço valer de um ou dois segundos. Poderia ter escolhido um método, mas quanto aos dois, me sinto mais seguro. Seguridade com “s” de Sâmela e Samia que limparão o tapete e de saudade, que com certeza terá. O banheiro é ríspido com minha cabeça, que falta se soltar ao desligar de mim mesmo. Gostaria de gemer de dor novamente, mas a bomba ainda está lá. Gostaria de ver se criou galo, mas minha mão fraqueja ao perder tanto sangue quanto perdeu. Preto com vermelho com fios com sangue não é uma mistura que devo me valer de. É um passe de mágica. Mal sinto meus órgãos suplicarem, pois a cabeça, como disse, desligou. Mal sinto a mão fria da culpa, e mal sinto o calor das minhas lágrimas. De uma hora pra outra, estou lá, na sala de cirurgia novamente. É tudo branco e tudo sintético. Sempre alvo e controlado que se iguala a paz. A primeira palavra que ouço é filho, e gritos de alegria, um nasceu, um oi, um bem vindo e outras coisas, mas não sei disso. Me parece estranho ouvir e não saber. Mas acho que nunca realmente ouvi nem soube.


Fernanda Martins, no sarau do dia 28 de junho de 2024.


utopista irrealista egocêntrica by rayssa

  


Podes contemplar toda a minha natureza mundana, pequena luz. Para além dos rótulos, anseios e suposições. Vejo desamor nos rostos cansados enquanto na minha frívola mente, busco por uma saída ou melhor! Um caminho qualquer para continuar a viver. Ocasionalmente, disperso-me do mundo em que resíduo. Não procuro deixar rastros ou resíduos, por mais que tente encontrá-los não os achará, pequena luz. Solitária, mas jamais sozinha, carrego os obsessivos sonhos meus. O galardão será prometido a quem fitar-me, incessantemente, Quase que teimosamente, os olhos. Deleite-se dessa informação, pequena luz, e encontre a verdade que tanto deixo a esconder. Deseja uma dica? Se quiseres… Posso contar-lhe um bocadinho: aspiro ser avistada. No interior íntimo de minh’alma, há uma ânsia de transparecer esta vulnerabilidade. Todavia temo o extraordinário devaneio que enquadro a lei de minha natureza. Receio que não escutará meus versos após ler-me, não as curvas do corpo, e sim o despenhadeiro de quem sou por dentro. Um verdadeiro caos ambulante, de idas e vindas, guardando pela natural cessão de seus movimentos e início da serenidade pós-guerra. Espero que minhas orações sirvam para algo útil, pequena luz.


Rayssa Oliveira, no sarau do dia 28 de junho de 2024.


os ventos de guiné bissau by heitor

 


Passos dados tantas vezes Sempre os mesmos buracos Reformas, terrenos e flores Nunca sobre o mesmo céu Azul, verde ou rosa De formas e nuvens Ando nessa rua com chuva ou sol Umas sacolas ou fantasmas Na esquina da 13 com a principal A calma vem com o vento da rua Guiné Bissau O alívio vem com o vento da rua Guiné Bissau A todos que vieram e deixaram mensagens Além dos presentes que guardo na casa que assombro Seu último beijo sem coragem pra dar Desço a pé ou carro Junto ou sozinho Mas sempre com o frio do vento da rua Guiné Bissau


Heitor Noronha, no sarau do dia 28 de junho de 2024. Letra de música.


28/06/2024 by josealex




A eles são oferecidos apenas

Lírios de sal

E suas bocas abertas ainda vociferam

No rigor de suas mortes

E em gargantas abertas

Tudo o que podia

Ter nascido livre 

E foi cedido a desgraças festivas

Dos santos castiçais da fome

Onde eu serei comensal

Da morte de meus filhos

Que cederei ao meu pecado

Mais frio e mais belo

Só não mais que o tecido

Que cobre meu corpo nu


Amor


A casa se compunha de quartos sem porta, paredes infiltradas de agua e displicencia. A cozinha servia em sua mesa o almoço vulgar das quartas. Ela pensava que o vale em que morava a consideraria obtusa se pudesse fazer apontamentos. Pelas manhã, cruzava o trecho de grama alta procurando por agua. Bebia dela, e levava com esforço um largo balde para sua estância. Valorizaria a agua da fonte a de seu suor, que a dignificava mulher. Tinha piedade dos bichos, por eles rezava um rosário aos fins de semana. Lembrava-se de sua mãe morta, enquanto vestia nas quartas o vestido de pano bom que herdara. Vestido de pano e cheiro de mãe. Para tanto, ela se lavava esfregando sua pele até que formasse uma pele outra, de sabão e água. Apenas a esperança da limpeza não era suficiente, devia haver vermelhidão de pele. Cessado o banho abrira, o armário ainda nua e úmida. Vislumbrou o vestido. Um corte. No sol. Sua janela aberta enunciou uma sombra, mas temeu ser um animal. Portanto a veste era primeira, e esforçava-se em entender o forro quase solto, para que entrasse no vestido. Outro corte, ainda maior. O som. Passos. Não era dela o conhecimento de outra silhueta em anos. Criava ovo e semente querendo ser só. E no entanto os ovos e as sementes foram muitos e insuficientes. Atravessava num passo de violência quem cortaria todo o seu mundo. Jerundina, aos 47 anos, com a mãe no corpo e os pés molhados temeu. Um passo, um corte, e um corte. O cervo, com seus chifres descascando em sangue viria para amedrontar seu rosto feminino.


José Alexandre, no sarau do dia 28 de junho de 2024. Inacabado, segundo ele.


espaguete ao molho bolonhesa by fema


Fora, ao vento, numa tarde de sol, lê-se num letreiro, em alto e bom tom, em cores gritantes e vivas: “Bistrô Camurça, since 2001”

Dentro, no ar condicionado e no bem e bom, há um prato de macarrão à bolonhesa sob a mesa.


Dona Camurça tenta comê-lo. Ergue o garfo, e nisso, foca todos os pensamentos em enfiá-lo perfeitamente entre os pedaços finos de massa. Espaguete é o macarrão mais consumido em todo o Brasil, ela pensa. É fácil de comer. Mas este pensamento, infortunadamente, só causa ânsia.


Leila Camurça Leone não é do Brasil. Podia até não se embaralhar no português, ou deixar certos maneirismos mais europeus pros seus pais, mas brasileira? Faça me o favor. Leila era antes de tudo, gastrônoma, e seria um desperdício ter nascido meio italiana se não se utilizasse disso.


Mas seu segundo nome, Camurça, foi a primeira palavra em português que sua mãe ouviu em terras brasileiras. A segunda, foi aeronave.


Aos 31, Camurça abriu seu terceiro restaurante; o de seus sonhos! O Bistrô Camurça, 2001, de ano e endereço, contava com vastas opções de pratos diversos, todos italianos, claro, com o selo da chef. Feitos por Leila Leone Camurça, meio italiana, meio fera, uma amálgama de qualidades e fetichismos. 


Ela engarfa a refeição, num perfeito emaranhado de carne, pasta de tomate, azeite e pura massa. Pura massa, ela pensa, da melhor qualidade. É bom, isso é ótimo. Dona Camurça, trêmula, tenta manter a maior quantidade de comida possível no talher antes de abocanhar o garfo ensebado.


Leila estava em diversas capas de revista antigas por ser a maior chef-fashionista-ícone dos anos dois mil. Sua imagem transparecia seriedade e elegância. Dez anos depois, ao passar quatro meses sem ser reconhecida na rua após falir dois de seus três bristrôs, Leila posou para uma revista pornô furreca de beira de esquina. Seus peitos caídos diziam: me compre! Sou Leila Camurça, metade Itália, metade tesão. De má sorte, novamente, recebeu apenas uns trocados e sua fama conseguiu, de alguma forma, cair.


Sobrevivia de encontros de fãs igualmente velhos e insignificantes, e um dinheirinho todo final do mês daquele restaurante que mal se sustentava.


Ela morde e engole a refeição. Por mais que aquele fosse o seu restaurante, e aquele fosse o seu macarrão, era fácil de esquecer como era a sensação de abocanhar um garfo ensebado. Afinal, Dona Camurça não acessava a cozinha havia anos: ora, nem tempo tinha para isso! Confiava seu trabalho a seus queridos colaboradores, que, por mais que a senhorita não soubesse, usavam dos apetrechos mais mequetrefes para cozinhar. Panela de teflon e molho de tomate vencido.


Não conseguiria enganar a si mesma.


Ah, Deus, ela sempre soube que sua comida tinha se tornado intragável de uns tempos para cá.


Não conseguiria fingir que aquele molho mofado era uma passata caseira ou aquelas panelas eram Le Creuset, ou que havia algum tipo de esforço posto naquela carne mal assada, naquele macarrão sem sal, onde tudo era industrial e mal processado.


A realidade bate como um martelo no estômago da cinquentona, que sente suas entranhas delirarem e pedirem por socorro.


A primeira coisa que retorna à sua boca é o gosto amargo do desgosto de si mesma. Logo após, aquilo que era chamado antes de macarrão a bolonhesa chega num estrondo na goela da mulher.


Dona Camurça vomita em cima do seu prato.


É impossível digerir. Ela não consegue parar.


Dona Camurça vomita tanto que o chão, antes de madeira, ganha uma coloração rubra feito tomate que quase combina com o roxo do local — se não estivesse acompanhado por uma gosma verde, daria para ficar lá mesmo, decorando o estabelecimento de Dona Camurça.


Seria assim, uma marca da gerência tão dedicada.


Dona Camurça vomita, talvez por querer, em alguns clientes de sua firma. De supetão, se inicia uma intriga, intriga essa que cresce. Aos poucos, os cozinheiros menores aprendizes levam socos, a garçonete perde um dente e Dona Camurça, coitada, leva a pior; pancadas no estômago que só corroboram para o seu final-destino.


Leila, ainda vomitando, é carregada por alguém para a calçada fria de São Paulo. O gorfo entra em si mesma, e entope sua via respiratória até que respirar pareça uma súplica. Seus olhos reviram, sua língua termina de abafar sua vida e por fim, ela morre. Morre na própria ignorância. Jornalistas chegam, transeuntes param pra ver, observar, comentar.


Finalmente, há de se conhecer o alimento que Camurça tanto desejava vender.


Fernanda Martins, pré sarau


sobre o destino by fema


Eu desafio todos que tiverem presentes de corpo (e alma) a conhecer o homem que será narrado, igualmente de corpo e alma.

A saleta da cartomante tinha aroma de algo muito forte. Seria esse o cheiro de magia? Gregório pensava. Mas não. Era algo mais conciso, mais entendível do que a espiritualidade jamais seria. Era um cheiro e ponto.

Entretanto, Gregório concordava, ou ao menos sabia disso? A resposta é também um grande e óbvio não. Ele, dessa forma, encantava-se com o ambiente. Se faz necessário, neste momento, entender os mistérios de porquê um homem tão invejavelmente burro — e isso será comprovado ao longo da história — queria saber de seu futuro.

Gregório tinha uma melhor amiga, Marta, por quem era apaixonado aos trinta que por si só já alerta a todos o perigo que este homem oferece. Pois havia certa pena da parte dela, mas ele não ligava. Gostava de migalhas e as lambia do chão sempre que lhe era dada a oportunidade. Cresça! Eu, que narro, já me farto de tal situação. Porém, ela, uma mulher estonteante, expressou nas entrelinhas um desejo por casamento e, sinceramente, há poucas coisas mais desejadas que um anel no dedo para quem tem trinta.

Gregório, daí, empenhou-se de uma maneira que o fazia tão ridículo quanto jamais fora. Usava uma armação verde de óculos pois era a cor preferida de Marta. Dava biscoitinhos de graça para ela sempre que era visitado no serviço, o que aconteceu duas vezes em quatro anos. Se apossava de suas gírias, comprou um gato persa igual o dela, raspava os pelos pubianos porque ela não gostava, mesmo que nunca tivesse ido lá em baixo e provavelmente nunca iria. Tudo por Marta. Ruiva, bonita e funcional, tudo que um dia Gregório queria ser.

A cartomante e, vejamos, cartomante — não taróloga ou astróloga ou nenhuma óloga, apenas uma clássica e misteriosa cartomante. Ora, não se precisa estudar para saber de coisas fora do plano terreno — a cartomante era caquética, mas sua manta deixava esse fato um pouco menos óbvio. Ele tinha medo. Seus dedos enrolavam-se como galhos, puxando panos, organizando medos. Seus olhos pareciam ter visto coisas demais. Gregório, se vivesse tendo conhecimento de seu futuro, ia ser meio traumatizado também, ele pensa. Ia dar medo.

Ela puxou seis cartas do monte e Gregório, com sua visão engenheira-quase-biônica, conseguiu ver quatro. Daí, suava frio com a possibilidade de dar errado por ele ter olhado. Sua vista fica trêmula e alguns princípios de desmaio encontram-se no seu rosto.

Ela vira algumas mas é impossível prestar atenção. Algo como seu emprego vai bem, suas casas estão rendendo. Ah meu deus virá uma tragédia em maio. Mas sua atenção é equivalente a um raio batendo num para-raio, e este é o amor. Marta. Ah, Marta. Quando a cartomante fala de mulher, o medo é substituído quase instantaneamente por ansiedade.

Vamos casar, minha senhora? Quem, meu querido? Eu e Marta, senhora. Ela ri, e sua risada grave ecoa nos cristais, nos gatos e no incenso de maracujá espanta-espírito ou algo assim. Uma risada seca de pena. 

Meu filho, o amor está mais próximo do que imagina. O amor verdadeiro está na ponta de seu nariz.

De repente, tudo faz sentido. Ah, ele sabia que a cartomante daria certo! Como pode, o espiritismo, o tarot, a astrologia, os astros enfim, os mortos, os vivos, a morte e a vida, seu aumento no trabalho, a bunda de Marta, a espiral do tempo, os olhos azuis de um gato persa, como pode? Um quebra cabeça infindável que foi completado por uma única peça.

Gregório, com todas as células do seu corpo, com todo o vazio de sua calvície precoce, inclinou-se para beijar a cartomante na boca. E beijou. A cartomante pula quase num instinto: não beijava feios. Ela se retorce de nojo imaginando o salgadinho de café da manhã ou o cigarro mentolado ou seja-lá-o-que era presente na vida desse homem. Meu deus do céu tenha compaixão.

Tu tens problemas de interpretação, querido. Mas você que disse, minha senhora, não se isente de culpa! A culpa é sua.

A culpa é sua.

Mas Gregório sabia disso? Deixaremos aberto a interpretações.

Um pudor nunca antes visto nele, de repente, aparece com um estrondo. O raio caiu duas vezes, em lugares diferentes. Aliás, um lugar totalmente diferente, quase diametralmente simétrico ao antigo. Ele saíra com uma mágoa na face que desmantelara em choro que desmantelou em quase um desmaio seguido de uma parada na calçada para pensar.

Quantas decisões é possível um homem tomar erradas?

Pensemos. Científicamente, é impossível detectar uma decisão errada, quando a subjetividade é subjetividade é quase um sufoco entendê-la. Mas Gregório objetivamente errava. E por mais que ele achasse que soubesse, que acertava, seu julgamento estava objetivamente errado. Ah, que burrice, que burro. Estúpido, até.

O número de Marta aparece no celular quase sem querer. São vários quases, ele pensa. Quase casa com Marta.

Não posso exigir que o conheçam, ademais, sua história se rebela contra si mesma. É impossível conhecer o infixo, o inrremendável. É impossível realmente conhecer o fraco de espírito. Ao sair da cartomante, e do telefone sem discar para ela, Gregório mantinha a mesma expressão; um medo. Este dado por não ser visto, apoteose, tornaria-se deus se outros quisessem — se Marta quisesse —, senão sumiria. Sentimento inédito. Mas sabia que, de qualquer jeito, uma mensagem na sua caixa postal estava lá. De supetão. Quase, novamente, inadequadamente.

Ele ouve. Deixe seu recado. Gregório, a quanto tempo não nos falamos. Conheci um homem. Acho que é o da minha vida! Quero que o conheça. Beijo, Gregório. Espero que esteja bem.

Apoteose, deixa essa merda pra lá, ele pensava porque na real nem sabia o que significava. Ele era burro, lembrem. Mas sabia que não se tornaria nada a partir do momento que entendeu Marta. Ai meu deus ele entendeu seu problema com Marta. E daí, conheceu o gosto de tomar uma decisão certa.


Fernanda Martins, em alguma tarde de maio de 2024 (primeiro sarau)

 

leo by heitor

         Pense com a máxima sinceridade o que faria se o sistema fosse outro. Se no fim das contas, não fosse necessário sacrificar tanta co...